23 de agosto de 2015

O que somos sem memória?
Alguém sem história.
Perdemos a identidade se não lembramos.
Lembras-te?

A vida passa por nós e nós esquecemo-nos dela.
De viver.

É triste saber que por ela passámos e que com ela não aprendemos.
Mas não sei: não me lembro de por ela ter passado e esqueci o que possa ter aprendido.
É então triste?
Não me recordo.

20 de agosto de 2015

Navego pela cidade velha num passo descontraído.
Tento, no meu andar sem destino, misturar-me com a gente que me acompanha.
Por mais que tente, todos sabem que sou estrangeiro. Sou traído pela minha altura avantajada quando comparada às crianças adultas que lá habitam. O meu cabelo dourado sobressai igualmente na macha de cabelos escuros dos bonecos morenos.
Ando pelas ruas, decrépitas, velhas. O piso é limpo e plano para minha surpresa. Não é a cidade das sete colinas nem a dos cigarros no chão. Não vejo lixo por mais que procure.
As casas de paredes gastas, têm quase todas uma varanda em ferro enferrujado que não inspira confiança. Ameaça cair a qualquer momento com ruído de ferro a dobrar a esquina.

Conseguiram tornar a velha cidade numa cidade viva com aquilo que na minha terra natal se vê como acto de vandalismo.
Nestas paredes, os riscos de rebeldia davam lugar a verdadeiras obras de arte que enchiam de cor aquela cidade em ponto pequeno.
Paisagens emolduravam uma parede, animais trepavam outra e rostos tomavam conta das restantes.

Nem tintas nem imaginação faltavam.
Ao passar numa ruela, parei para observar um senhor que acariciava um desenho com um pincel.
Enquanto desenhava uma figura Hindu, amarela e preta, o homem apresentava-se concentrado e calmo. Era perfeccionista.

Cansei-me de tirar fotografias às paredes. Eram muitas e a minha bateria e memória limitadas.

Porque não tornar os bairros sociais em obras de arte?
Ao mesmo tempo que se restaurava, dava-se nova vida aos bairros e, quem sabe, até se atraia o turismo local.

Deixemos de rabiscar a vida e passemos a desenha-la a cores.

11 de agosto de 2015

A família junta-se à mesa.
Apesar de ser dia de festa, nem todos estavam presentes.
Na noite, um vento fraco soprava as duas velas azuis que fracamente iluminavam a mesa, numa luta contínua por se manterem acesas.
Contavam-se piadas de humor negro, das quais toda a gente se ria com vontade, exclamando um "que horror" entre risos.
A tia, a de cabelos castanhos pelos ombros, lutava por inspirar frequentemente. Formava um som na garganta que provocava mais gargalhadas aos presentes do que a anedota que fora contada.
A avó, que por anos e anos acostumou a família aos raspanetes que dava ao marido pela colecção de nódoas na roupa que este fazia questão de obter de cada vez que comia uma bela refeição, entornou o molho das deliciosas amêijoas sobre si.
Toda a gente se riu.
O avô fazia a festa em silêncio: ria-se enquanto apontava o indicador para a mulher num ar de troça; balançava os braços no ar em festa; batia palmas. Há anos que esperava por este momento!
A avó rira-se igualmente. Sabia que a situação era irónica e tivera graça.
Eram boas as gargalhadas.
Somos felizes em família.
Atravessava calmamente a ponte estacionada, envolvido pelo ar calmo da calma cidade.

A cidade relaxava-me. Não havia o movimento repentino da capital. As pessoas passeavam e não corriam. As pessoas eram escassas e o nervoso inexistente. Não havia horários.

Habituado à vida de cidade viva, tomara a dianteira do grupo que me seguia sem me aperceber.
Trazia a cidade no corpo, respirava um ar campestre de cidade.