25 de abril de 2015

"Que as tuas mãos falem tanto quanto a tua língua.
Que com gestos me convenças do que não sei. Do que não sinto.
Que com gestos me mandes embora, deixando-me ficar para trás.
Com os mesmos gestos com que me confortas depois do frio.
Que os teus gritos falem tão alto quanto os teus olhos.
Que com berros me olhes de perto.
Que com berros me vejas ao longe e fiques, tu, para trás.
Entretanto, entre tantos, tu."

24 de abril de 2015

A noite cedo descera, acendendo os candeeiros da cidade.
Não trouxe com ela a humidade característica nem roubou o calor do dia. Escondeu apenas a luz.
Era uma cidade pequena. Agitada durante o dia porventura, encontrava-se calma.
Poucos eram aqueles que deambulavam pela rua.
As galinhas que pelos caminhos costumam correr, encontravam-se sossegadas em pequenas caixas de madeira colocadas a um canto. Os cavalos, presos por um gordo cordel, poderiam estar soltos que do seu sítio não sairiam.
Avançou em passos confiantes por entre as estreitas ruas atafolhadas de negócios de rua. Ninguém os recolhera. Aparentemente não existiam pilhantes a patrulhar a zona.
Debaixo de um telheiro, na protecção da luz lunar, dois gatos sonhavam.
Não se ouviam risos de crianças, conversas de adultos ou queixares de velhos.
Apenas o raro vento suspirava ao meu ouvido.

22 de abril de 2015

Terei de saber o que é viver sem ti.
Com o tempo, irei acostumar-me à ausência da tua voz e à folga do teu abraço.
Gostas de férias prolongadas? Diz que sim e tudo se tornará fácil. Quem não gosta de férias?
Espero que para o ano que vem nos tornemos a ver.

Estaremos juntos físicamente ou apenas ocuparei espaço na tua mente?
Não importa. Trocaremos palavras todos os dias. Não é suficiente?

Apraz-me a idiota possibilidade de ir viver contigo num país que não conheço, libertando-me do meu dia a dia para aí ganhar outro.

Se lo fai per amore non è sbagliato
Buonanotte a te! Fai sogni speciali come te!

21 de abril de 2015

Perché voglio lavorare con medici senza frontiere

Voglio curare la gente gratuitamente

Voglio andare nei paesi in cui la gente sta male a causa nostra

E rimediare agli errori dell'uomo bianco arrogante

20 de abril de 2015

Ouço-te atentamente falar na tua língua materna.
Tento aprender o máximo que consigo. Todos os dias estou mais próximo de ti.
Um dia hei-de a cantar tão suavemente quanto tu o fazes.

Não o faço por ti.
Tenho que encurtar esta distância que nos separa.

1 de abril de 2015

"Querida mãe,
Querido pai:
O tempo passa sobre as lágrimas que choro, já nem cicatrizes tenho do que um dia me feriu. E no entanto a memória. A cabra da memória.
Ninguém merece uma memória feliz. 
E eu fui. E nós fomos. Felizes. A casa cheia com a nossa alegria dentro. O quintal, o avô a contar mil e duas vezes as histórias que já tinha contado mil e uma vezes, a avó sempre preocupada em encher a mesa, os tios a dizerem que a vida custa. E custa, pai. E custa, mãe.
Ninguém merece uma casa vazia.
E os cheiros. Os cheiros não passam. Os cheiros são a melhor forma de se sofrer. Cheiro a cozinha onde um dia a vida. Onde um dia o sonho. Eu menino na cozinha cheia do avô, da avó e dos tios. Eu menino a sonhar com eu grande, grande como os tios – «um dia vou ser rico e comprar muitas coisas». Eu menino a querer crescer.
Ninguém merece um corpo que cresce.
E a perda. A puta da perda. A avó com um cancro dentro. O avô a ceder a cada dia que a sua Maria se ia. E os tios e as rugas. Todos a irem a cada dia em que eu crescia. E tudo morre quando nos morrem os sonhos.
Ninguém merece ficar para além dos sonhos.
E já não há avó e já não há avô. Há o cheiro da cozinha quente com os meus sonhos dentro. O cheiro do quarto onde me escondia, debaixo da cama, para ver os adultos falar. As palavras novas, palavras grandes, palavras feias. O abraço apertado do tio André – «estás a ficar um mocetão, rapaz» – nas minhas costas de criança. A casa vazia com o que sou dentro.
Ninguém merece sobreviver ao que mata.
E ter um pai e uma mãe. Só quando a casa se esvazia é que se sabe o que vale um pai, o que vale uma mãe. E não interessa o que foi, o que ficou por ser. Não interessam as palavras que um dia dissemos, os erros que um dia não evitámos cometer. Não interessa a voz grossa do pai – «tens de ser um homem a sério» – nem a dor muda da mãe. Não interessa o que se perdeu quando se tem um pai e uma mãe para apertar. Ainda estamos, mãe. Ainda estamos, pai.
Ninguém sabe o que é perder quando ainda tem uma mãe e um pai para abraçar.
E enquanto tiver os vossos ombros para pousar nenhuma lágrima morrerá solteira."